quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Vinte e Três do Dois do Onze

Três senhores, cada um com o seu tom castanho de sobretudo, a subirem juntos as escadas da rua. Sobressai a similaridade da concentração pilosa nula no topo de cada uma das suas cabeças reluzentes. Nada disto, possivelmente, chamaria a atenção, se não fosse o facto de as três carecas estarem viradas em uníssono na mesma direcção. Com os olhos postos nos andares superiores de um dos prédios à sua esquerda, onde não encontro razão para tanta atenção e interessem, os três carecas de sobretudos castanhos a subirem vagarosamente as escadas criam uma imagem tão bizarra e harmoniosa que não passa despercebida.



domingo, 13 de fevereiro de 2011

Doze do Dois do Onze

O Chiado é maravilhoso. Regressou o sol e o calor que permite que o peso do casaco descanse em casa. O sol já caiu, mas a multidão permanece na rua. A imensa e plural multidão. Oiço-a, enrolada nas línguas que tornam o português uma preciosidade rara. Subo as ruas que já me reconhecem, provo novos recantos, reencontro a diversidade das roupas, das idades e dos cabelos, perco-me no meio do destino de cada um. Já anoiteceu, mas a vida é imensa e parece preparar-se para se manter intensa por muitas horas. Há tanto aqui. Quero-me aqui. Cheia.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Trinta e Um do Um do Onze

É difícil de explicar porque me ficam certas pessoas. Não era mais que uma jovem como tantas outras, talvez um pouco mais prolixa e organizada no discurso. Descreveu com exactidão o que sentia assim como a doença de que padecia e que poderia estar, de certa forma, relacionada com as queixas actuais. A cada pergunta do médico, quando tentava compreender melhor a situação, respondia, do seu corpo direito e aprumado e com um aceno discreto, "Correcto." E é apenas isto que consigo identificar que me chamasse a atenção. A postura e o discurso exemplarmente correcto. O que é facto é que, hoje, foi a memória escolhida.

Trinta do Um do Onze

Há demasiado cá dentro. Por muito que se arrume cada peso no seu lugar, por mais que se procure um equilíbrio, há sempre a possibilidade de tudo tombar num pequeno encontrão dos dias. E basta um pequeno incómodo para se perder o controlo. É, talvez, necessário que por vezes isso aconteça. Talvez devolva alguma vida, talvez obrigue a despertar, mesmo que com mágoa e algum desespero, mas é preciso vivê-lo. É preciso enfrentá-lo. E é preciso uma nova oportunidade para conseguir erigir tudo outra vez, com uma estrutura nova, mais sólida, mais confiante.
São dias difíceis.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Vinte e Nove do Um do Onze

Entro na sala e sinto o cheiro. É, efectivamente, uma festa de família. A terceira idade reina na divisão, sentada ao longo de todas as paredes, de mãos apoiadas sobre as saias, sorrindo cordialmente aos convidados que não conhece mas aceita. Fala-se das crianças já tão crescidas, do que faz um e outro, do tempo que passou desde a última vez, de promessas de novos encontros. A casa torna-se pouca para tanta gente, que se aperta para passar entre as umbreiras das portas. Vem muita gente celebrar, afinal, não é todos os dias que se celebram oito décadas. Mesmo que a aniversariante insista que são apenas dezoito, com a alegria que a muitos invejaria. E, no fundo, é sempre bom sentir que a família se mantém cá, ao longo de todos estes anos.