sábado, 31 de dezembro de 2011

Um para Doze

#1. Porto

E agora, descanso. Fuga. É preciso fazer algo que nos deixe feliz. Escolhi o Porto. Escolhi a tua companhia. 
Há uma sensação de controlo quando conduzo. Tomo a liberdade de decidir por onde ir, quando parto e quando chego. E, especialmente, onde paro. Há tempo para reencontrar caras amigas e ver mais caminho do que apenas a chegada.
E o Porto enche-me o coração. Desta vez estava mais claro e luminoso, com os seus jardins e o sotaque, os azulejos e o Douro, Gaia para olhar o Porto e a Pousada para apreciar a Foz,  as ruas de sempre onde as pernas se cansam ao subir e descer, sem nunca cansar a vontade. A cidade convida-me a ficar sempre mais. Quem sabe o futuro nos cruze por mais do que uns dias.
Respira-se fundo.

E agora, dois mil e doze.

Dois para Doze

#2. Exame

Acabou. 
Não estudei na véspera e fui ver Lisboa do topo, no jardim que me amou nestes longos meses. Almocei com o meu irmão, que fingia não estar tão ansioso como eu. Reencontrei colegas, sentei-me na cadeira para canhotos e sobrevivi às duas horas e quarenta e cinco minutos, estendidas pelo grau de dificuldade da prova. Saí, frustrada, mas saí. Paciência, está feito.
Já passou. O monstro indigesto caiu por fim das minhas costas. Agora importa recuperar a forma, a força, a alma. Fiz o meu melhor, não posso exigir mais. Há que andar para a frente, com o orgulho de ter conseguido. 
Sobrevivi.

Três para Doze

#3. Torres

A exaustão permanecia e o desespero ameaçava deitar tudo a perder. Se não fosse o refúgio, não teria conseguido.
O estudo ganhou novo fôlego por lá. Os livros mantêm-se, mas o lugar muda e tudo parece estar a começar. Há uma nova frescura, uma novidade que engana o espírito cansado e redobra a resistência.
Levanto a cabeça para abrir a visão. O campo longo, o silêncio na rua solitária e a ruiva que observa a janela elegantemente sentada sobre o banco. O incenso e as refeições coloridas. O baloiço, a criança e o sofá ao final da noite. E uma gratidão imensa por quem aqui me recebe e me salva.

Quatro para Doze

#4. Iulia

Planeara aquela semana para as férias que precisaria. E precisei mesmo, que o corpo arrastava-se há demasiado tempo pelas exigências do trabalho intelectual. Estava exausta quando ela chegou.
Quis dar-lhe tudo, mostrar-lhe cada pedaço escondido deste oeste europeu, contar-lhe tudo o que sei, para que absorvesse Portugal e regressasse com a noção acertada do que somos. Exigiu-me fado, vinho e golfinhos. Dei-lhe Bairro Alto, Clérigos e Arrábida. Houve peixe grelhado, pastéis de Belém e caldo verde. Sobreviveu à sopa da Pedra e à francesinha e surpreendeu-se com o cheiro a eucalipto. E tudo isto acompanhado de bons amigos que recebem sempre com um sorriso honesto.
Dois anos depois, reencontrámo-nos. Dois anos depois, mantemo-nos fiéis à amizade forte que construímos. O abraço comprova-o. 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Cinco para Doze

#5. A Feira

No isolamento exigido, há algo que me anima. Na cidade que me viu crescer, a feira de Verão repete-se impreterivelmente nas três semanas mais animadas da estação. Com ela sei que traz as farturas e os churros, o Dragão com as suas duas únicas curvas apertadas, o camião-restaurante, a peixeirada e as ordinarices nas bancas dos brindes, as caras conhecidas e os concertos que satisfazem o requinte musical da juventude alternativa.
E este ano trouxe-me caras amigas. Recebi, com o suposto intuito de mostrar a minha feira (como carinhosamente a nomeio), gente para um abraço, para um jantar por lá, para uma voltinha nas diversões, para uns concertos em conjunto. E, afinal de contas, para que serve uma feira senão para nos tirar da solidão e isolamento dos dias quentes? 

Seis para Doze

#6. O Fim

E foi exactamente dia Um do mês Sete que saí perto da hora de almoço do serviço onde terminava o último estágio do ano, do curso. E foi já depois da passadeira fora do hospital, no passeio a caminho do transporte que me leva dali, que uma das trezentas colegas que me acompanharam ao longo do curso, dos anos, me disse "Parabéns". Devolvi-lhe as congratulações, afinal de contas era um dia especial para todos nós. E segui pelo passeio, com orgulho, satisfação e uma alegria especial por ter concluído este longo desafio.
Conversei muito nessa altura com a menina que era aos dezassete, quando entrei na instituição. Contei-lhe tudo o que iria acontecer nos seus próximos seis anos, o bom e o mau. Mas especialmente o bom. Contei-lhe com um sorriso, com a calma que aos dezassete precisava que me tivessem falado. Pesavam-me seis anos dolorosos às costas. E agora, bem mais leve, regressei aos dezassete para recordar à menina que era que, sim, é capaz.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sete para Doze

#7. Arraial

Foram precisos muitos passos. Dei-os com calma, com receio, mas muita vontade. E naquele dia compreendi, uma vez mais, o quão valioso é aqui estar.
Foi dia de festa. Foi planeado a pensar em nós, para que nos sentíssemos confortáveis, bem recebidos e livres para desfrutar da noite. Mas, mais importante que isso, foi o facto de não ser uma festa só para nós. Foi sim para todos, de portas abertas, ou melhor, sem portas, para que todos se juntassem e celebrassem o poder de uma noite quente junto ao rio. 
E assim foi. Sorri muito e dancei o quanto pude. Conheci gente relevante, matei saudades de caras amigas. E deixei para trás um incomodo e uma vergonha que pesam e me ocultavam noites felizes como esta.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Oito para Doze

#8. A Fuga

Para além de todo o drama expectável do Onze, surgiu um sério agravante. Sério, dos que te bofeteiam e te bloqueiam o andamento compassado. O Onze ficará marcado, certamente, por ele. Mas esta contagem é para os bons e não para os maus.
O bom foi o que o tentou aliviar. O coração pesava para todos e tínhamos direito a uma noite fora. Alargámos o convite a quem precisava dele e fugimos daqui. Refugiámo-nos num sítio novo, silencioso, onde nos conseguimos concentrar no trabalho e descansar nos tempos devidos. Vimos o mar, comemos bem, respirámos fundo. E é tão importante parar para respirar fundo.

Nove para Doze

#9. Passeio

Foi, possivelmente, o primeiro momento de pausa. Só no último instante decidi não ir para a farra académica anual, onde nunca participara, e ficar antes contigo, num programa a duas, mais adequado ao nosso paladar.
Em vez do Sul, escolhemos marchar para Norte. De farnel aviado, metemo-nos à estrada com vários destinos há muito esperados. Uma pausa nas praias de Peniche, um piquenique na inigualável vila de Óbidos, um passeio pelas loiças das Caldas da Rainha. Portugal bonito.
Ainda ontem revi as nossas fotografias desse dia. Tenho recordado muitas fotografias dos últimos tempos, mas em poucas encontro o meu sorriso honesto. Vi-o aqui. Junto a ti, com o oceano ao fundo e o guarda-sol ao perto. Foi, sem dúvida, um dos melhores dias de férias do Onze.

Dez para Doze

#10. Medicina

Foi preciso chegar ao fim para compreender o que é a Medicina. Começo a trabalhar apenas agora, a entender o que me é exigido e por quem, começo finalmente a conhecer as caras de quem pede ajuda e a ouvir os seus dramas. É preciso chegar ao fim para ver as pessoas que comportam as patologias que estudei exaustivamente.
E foi essencialmente naquele consultório de médico de família que mais aprendi sobre essas pessoas. Porque não são apenas as dores, são também as exigências do novo patrão que as intensificam com a sua colocação num cargo diferente. Porque a crise justifica o roubo ao pezinho-de-meia de quem já tem tão pouco com que contar. É aqui que entram as mães com os adolescentes insubordinados, os casais grávidos e os com bodas de ouro, os ricos e os pobres, os sãos e os debilitados. A vida é aqui revelada. E é assim que a Medicina faz muito mais sentido.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Onze para Doze

#11. Londres

É uma paixão platónica desde tenra idade. Sempre soube que era minha, mesmo sem compreender totalmente porquê. E quando fico muito tempo sem a ver, a minha racionalidade questiona as razões do meu encanto.
Mas acabei por regressar no Onze. Regressei num contexto novo, numa idade mais desperta, numa liberdade de descoberta diferente. Desta vez, houve tempo para a viver. E perdi-me novamente de amores. A cidade não se esgota. Por muito que me expanda para abraçar tudo o que possa absorver, não chego. É enorme, é tanto. E é este meu amor justificado.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Doze para Doze

#12. A Tese

Não sei qual foi a primeira vitória do Onze. Foi um ano aborrecido, entediante. Foi um ano que precisava de passar e passou, lidei com todas as datas, todos os prazos e exigências. Talvez por o prever assim, um ano de tempo para cumprir, me esqueça com facilidade das conquistas e das alegrias.
Mas é aquele momento que me surge primeiro, quando passo o Onze em revista. Aquele acordar determinado, a vontade de ali estar, de saber ser o lugar certo, o conforto no sonho futuro. Demorou demasiado tempo entre a última vez que senti a confiança nas palavras e aquele dia em que soube exactamente o que estava ali a fazer. Depois de tanto tempo, fazia finalmente sentido.
Defendi-a com a naturalidade de quem a criou com carinho, dedicação e muito amor. Amor, sim. Daquele que não se aborrece com birras, com o cansaço dos dias, com os atrasos e os nós que custam desatar. O amor que, venha o que vier, está lá sempre. Porque sou daqui.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um do Dez do Onze

Pela quinta vez no aeroporto, estou finalmente aqui para o que andei a desejar sempre que cá estive. Espero-te.
O nervosismo ao longo do dia, por te saber no alto dos céus, já não me permitiu concentrar-me em algo mais para além da tua chegada. A ansiedade cresce e procuro comportar-me, sem grande entusiasmo para não me denunciar, junto de quem mais te estima. O avião vem com atraso, procuramos entreter-nos com o pastel de nata e a conversa simples, mas os corações estão longe. A mãe pulula entre o painel que a avisou que falta pouco para te ver e o lugar onde te esperamos vislumbrar logo que cruzes a porta.
Finalmente estás em terra, diz-nos o painel. E a mãe sorri de alívio por, enfim, tudo ter corrido bem. Em silêncio, fixamo-nos na porta por onde surgirás. Por cada pessoa que surge, descontraidamente, o coração cresce mais um pouco. A ansiedade sobe, por cada nova cara que ainda não é a tua. Os minutos passam e começamos a acreditar que todo o teu avião já se esvaziou à nossa frente, só faltas tu. E cada novo minuto recorda que não é bem assim.
Vejo finalmente o teu grupo. Vejo-os a todos e tu escondes-te atrás das suas malas e costas largas. Quero ver-te primeiro. Estico todo o corpo para que te encontre mais rapidamente e, por fim, surges. O coração, esse, descansa, por fim.

Trinta do Nove do Onze

E de repente estou de volta ao liceu. A juventude dos vestidos pretos, aplicações vermelhas e ténis tradicionalmente alternativos povoam a sala, assim como os meninos de cabelo armado, olhar pensativo e sonhos ainda por restringir. Para minha surpresa, a diretora da escola surge à porta. Regressa o sentimento de respeito, ligeiro temor e alguma revolta com a presença da senhora. A adolescência tem destas coisas, a autoridade tem de ser contestada. E é bom recordar, é bom regressar a estas pessoas, de quem não reconheço a cara mas reconheço o contexto. Juntas assistimos aos sonhos de outros como nós e provamos que vimos de um sitio bom. A diretora, afinal, sempre fez um bom trabalho.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Vinte e Nove do Nove do Onze

Não compreendo bem o que se passou. Quero-te de volta, preciso de ti e de te saber comigo. Tento aguentar-me, como se fosse sólida e determinada, mas és o meu pilar. É por isso que planeio o teu regresso com pedaços de intimidade e mimo, para recuperarmos este tempo em que os pequenos telefonemas nos têm de bastar.
Mas há contrariedades. Há uma realidade à qual não nos podemos esconder. As celebrações serão controladas e a efusividade abrandará. O baque desta circunstância abalou-me, colocara a minha força nesses momentos por vir. Mas é preciso manter-me de pé, relembrar que o que importa é a tua presença. Vou procurar-te no teu olhar, aí teremos o nosso mimo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vinte e Oito do Nove do Onze

É mentira. Não me faltam homens na minha vida. Lá porque este curso maioritariamente feminino reduz as possibilidades de contacto com alguma testosterona não implica que restrinja os meus contactos sociais ao meu género. Reservo bons amigos.
Como o que me acompanhou nas ultimas burocracias para nos tornarmos médicos a sério. Foi a companhia ideal para encerrar este ciclo, construído com o seu companheirismo e amizade, algo que conservarei destes dias de faculdade.
Ou como o colega dos tempos de infância, que se recorda da minha incrível capacidade de rimar em tão tenra idade. Crescemos, arranjamos emprego, conduzimos um carro, mas as conversas permanecem.
Ou progridem. Juntam-se os amigos de secundário, recordam-se outros tempos, proclamam-se as novidades e brinda-se ao futuro e à vida. E tudo isto num dia cheio de testosterona amigável.

Vinte e Sete do Nove do Onze

Hoje despeço-me. Vou buscar os últimos papéis oficiais da faculdade para que, oficialmente, desligue qualquer obrigação da mesma. Acabou, já ali não pertenço. Porém, ninguém o sabe. Vejo caras conhecidas de outros anos e, essencialmente, caras novas. Vejo as problemáticas de início de ano, as alegria de rever pessoas, as esperanças de quem acaba de chegar. Vejo que a reprografia continua a roubar discretamente. À saída, duas raparigas perguntam-me onde fica a biblioteca. É simples, é só subir até ao sexto andar. Quem diria, saio da faculdade com um sorriso. Passo o testemunho a quem só hoje descobre onde fica a biblioteca. Deixo esses anos para trás e desejo o melhor para quem chega.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Vinte e Seis do Nove do Onze

Não me incomodo com atrasos. Duas horas à espera por uma consulta são toleráveis quando há oportunidade de observar quem chega e parte.
Como a senhora que bufa. Bastou chegar para perceber que não era família de grande paciência. Já de sobrolho desconfiado e gestos esquivos, chega com a sua mãe e já antecipa a demora. Sentada a meu lado, junto à sua mãe, que aguarda um pouco mais conformada, espera atentamente pela chamada no altifalante. Por cada nome que soa e que não corresponde à sua expectativa, bufa. A quantidade e intensidade de ar expirado vai crescendo gradualmente de forma que até eu já desejo que o tal nome seja pronunciado pois começo a recear a minha segurança. Eventualmente, o nome chega. Acabaram-se os bufos, mas eu, que aqui me sentei ainda antes das senhoras terem chegado, permaneço no meu lugar, aguardando pacientemente pela minha vez no altifalante, sem uma única inspiração profunda.
Quase duas horas depois, preparo-me para me exaltar quando, por fim, chega a minha vez. Sou paciente.

domingo, 25 de setembro de 2011

Vinte e Quatro do Nove do Onze

Bastou acordar. Vieste no sonho desta noite e sorrias-me, isso basta. Quis manter a emoção e telefonei. A tua voz mantinha o sorriso e as palavras prometiam conforto. Vou ler o que me escreveste, sim. Fui logo, tu sabes que não consigo esperar muito por saber de ti. E vieste embrulhada na tua carta, com o carinho de sempre, mimando-me pelos longos parágrafos que me dedicaste. Disseste o que precisava de ouvir, sabes bem como fazê-lo. Eu consigo, dizes-me, em letras capitais. E, hoje, meu bem, começo a acreditar em ti. E resultou, sabes?
Hoje consegui. Amanhã conseguirei de novo.

Vinte e Três do Nove do Onze

Não o quero dizer, mas foi aquele momento. Foi quando me disse que me tinha descoberto. Desvio o olhar e procuro não pensar no assunto. É tudo muito pesado, tudo demasiado angustiante para conseguir lidar agora. Engulo em seco, repetidamente, para que não me saia pela boca, pelos olhos, pelo sobrolho franzido sobre a perdição do olhar. Não quero pensar mais para não me recordar do facto de não saber como seguir caminho. Há urgência em seguir de corpo erguido e hoje ainda não o tenho. Respiro fundo, engulo novamente e tento adormecer. Hoje será difícil.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vinte e Dois do Nove do Onze

Dois meses.

Desprevenida, regredi novamente. Regressei à insegurança e timidez de outros tempos. Por momentos, perdi tudo o que ganhara até hoje e voltei a ficar só no ridículo de não saber o que fazer. Estática, procuro esconder o desconforto em gestos aparentemente inocentes. Finjo ler enquanto a cabeça rodopia e nada vê e nem as mãos se sabem comportar, deixando cair os papéis aos pés de alguém a quem queria ser invisível. Invisível, como, nos outros tempos, tanto receava não ser aos olhos dos despreocupados no caminho. A estranheza estranha-se e o meu incómodo ressalta aos olhos de quem não quero. Assim como o embaraço por me sentir descoberta. E o tempo passa tão devagar quando me sinto atentamente observada. Não o sou, possivelmente, mas a vergonha prevalece e impõe as suas ideias. Não quero esta vergonha de volta a mim, já não sei lidar com ela.
O momento terminou, eventualmente. Regresso ao ambiente que reconheço e sou de novo a pessoa que procurei criar ao longo destes últimos anos. Não sei o que se passou, assusta-me ter acontecido e conto que não se repita. Não consigo.
Estou cansada.

domingo, 3 de abril de 2011

Um do Quatro do Onze

Por vezes, esqueço-me. O tempo passou e julgo que já não terá o mesmo efeito. Mas foi o nome que quis recordar nos enormes headphones, que tão pouco uso lhes dou. E, distraída com outras funções enquanto a música inicia, nem me apercebi do burburinho que se gerou entre os dois auriculares. Reconheço ainda cada momento destas canções. Sei-lhe a voz e a guitarra nos tempos certos, as revoltas e as carícias de cada canção e sei exactamente como o meu corpo quer reagir a cada uma delas. Porque sempre assim foi, porque criei essas reacções ao longo das várias audições naquele tempo que, julgava, já passou.
E é assim que se tem de recordar, isolada do resto da casa pelos enormes headphones, com a volume relativamente elevado e os músculos livres para reagirem criativamente ao som. Como um bom remédio para uma maleita que se arrasta.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Trinta do Três do Onze

No fundo, quis regressar um pouco àqueles tempos de liceu. Sobraram-me muitas memórias, mais do que aquelas que os amigos da época conseguem recordar em conjunto comigo, e estes momentos foram algumas delas. As guitarras e os pedais, as covers das bandas de sempre e o grupo de amigos que se junta para pular um pouco connosco. A nossa festa. Desta vez, a vossa, à qual não quis faltar, já que o convite tinha sido feito.
Estou um pouco mais leve e permito-me um pouco de diversão. Quis regressar ao pequeno palco. Quis tocar de novo. Mas hoje o momento não era esse, era a vossa música, a vossa alegria, as vossas letras, vozes e guitarras, a vossa canção original e a vossa vontade de mais. E, claro, a esfrega final da guitarra no suporte do microfone, para que não se esqueça o estilo de música que se pretende viver ali.

Vinte e Nove do Três do Onze

Há que começar de novo. E começa-se pelo início, exactamente por aquele início de dia, aquele despertar lento para a consciência das horas que se seguem. Ali, quando o sonho cessa e o baque do real se impõe. Há que acordar, tirar o peso dos pés da cama e segui-los por aí, até ao horário que cumprimos e às responsabilidades a que nos submetemos. É isso, o levantar da cama, o que nos abate.
E tem sido custoso. Não que me faltem muitas horas de sono ou descanso, não é o corpo que se atrasa. É aquele peso que a alma impõe, é a força com que nos empurra de volta ao sono que já não voltará tão cedo, é o desânimo e a inexistência de um motivo feliz para começar um novo dia, que de novo aparentemente pouco tem.
E hoje foi diferente. Hoje, apesar do nervosismo e ansiedade que se impunha, a alma não me quis esconder de novo nos lençóis pesados, não me implorou que o tempo não corresse mais e nos deixasse sós. Hoje sorriu-me, abriu vagarosamente os cortinados para a luz entrar e disse que seria um dia bom. Hoje havia algo novo, hoje estaria algo realmente meu nas horas das tarefas diárias. Hoje seria um pouco mais de mim e menos dos outros. Talvez tenha sido isso.
Fica-me na memória aquele instante, tão díspar de todos os outros, que se repetem há tanto tempo, que me recordou daquilo que realmente procuro e que, confirma-se, me fará tão bem.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Quero voltar a ti, quero, minha Pomba. Tem paciência, voltei a precisar de tempo e coragem para recuperar o bom senso. Pertences-me e preciso de te ter bem arrumada em mim, nos meus dias, na minha rotina. Preciso da minha rotina. Aguarda que voltarei, o mais breve que conseguir. Finjo não te sentir a falta, mas sei que te falho e dói. Cabe-me apenas a mim quebrar essa dor. Volto em breve. Hei-de cuidar de ti.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Vinte e Três do Dois do Onze

Três senhores, cada um com o seu tom castanho de sobretudo, a subirem juntos as escadas da rua. Sobressai a similaridade da concentração pilosa nula no topo de cada uma das suas cabeças reluzentes. Nada disto, possivelmente, chamaria a atenção, se não fosse o facto de as três carecas estarem viradas em uníssono na mesma direcção. Com os olhos postos nos andares superiores de um dos prédios à sua esquerda, onde não encontro razão para tanta atenção e interessem, os três carecas de sobretudos castanhos a subirem vagarosamente as escadas criam uma imagem tão bizarra e harmoniosa que não passa despercebida.



domingo, 13 de fevereiro de 2011

Doze do Dois do Onze

O Chiado é maravilhoso. Regressou o sol e o calor que permite que o peso do casaco descanse em casa. O sol já caiu, mas a multidão permanece na rua. A imensa e plural multidão. Oiço-a, enrolada nas línguas que tornam o português uma preciosidade rara. Subo as ruas que já me reconhecem, provo novos recantos, reencontro a diversidade das roupas, das idades e dos cabelos, perco-me no meio do destino de cada um. Já anoiteceu, mas a vida é imensa e parece preparar-se para se manter intensa por muitas horas. Há tanto aqui. Quero-me aqui. Cheia.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Trinta e Um do Um do Onze

É difícil de explicar porque me ficam certas pessoas. Não era mais que uma jovem como tantas outras, talvez um pouco mais prolixa e organizada no discurso. Descreveu com exactidão o que sentia assim como a doença de que padecia e que poderia estar, de certa forma, relacionada com as queixas actuais. A cada pergunta do médico, quando tentava compreender melhor a situação, respondia, do seu corpo direito e aprumado e com um aceno discreto, "Correcto." E é apenas isto que consigo identificar que me chamasse a atenção. A postura e o discurso exemplarmente correcto. O que é facto é que, hoje, foi a memória escolhida.

Trinta do Um do Onze

Há demasiado cá dentro. Por muito que se arrume cada peso no seu lugar, por mais que se procure um equilíbrio, há sempre a possibilidade de tudo tombar num pequeno encontrão dos dias. E basta um pequeno incómodo para se perder o controlo. É, talvez, necessário que por vezes isso aconteça. Talvez devolva alguma vida, talvez obrigue a despertar, mesmo que com mágoa e algum desespero, mas é preciso vivê-lo. É preciso enfrentá-lo. E é preciso uma nova oportunidade para conseguir erigir tudo outra vez, com uma estrutura nova, mais sólida, mais confiante.
São dias difíceis.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Vinte e Nove do Um do Onze

Entro na sala e sinto o cheiro. É, efectivamente, uma festa de família. A terceira idade reina na divisão, sentada ao longo de todas as paredes, de mãos apoiadas sobre as saias, sorrindo cordialmente aos convidados que não conhece mas aceita. Fala-se das crianças já tão crescidas, do que faz um e outro, do tempo que passou desde a última vez, de promessas de novos encontros. A casa torna-se pouca para tanta gente, que se aperta para passar entre as umbreiras das portas. Vem muita gente celebrar, afinal, não é todos os dias que se celebram oito décadas. Mesmo que a aniversariante insista que são apenas dezoito, com a alegria que a muitos invejaria. E, no fundo, é sempre bom sentir que a família se mantém cá, ao longo de todos estes anos.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Vinte e Oito do Um do Onze

Há algum tempo que não me sentava entre estas pessoas. Avisaram-me logo: se me perguntassem, o meu casaco de vison estava a limpar. Sim, porque estranhariam no meio de tanta pele, um simples casaco preto e uns sapatos despreocupados. A burguesia lisboeta concentra os seus cabelos arranjados na sala que se prepara para ouvir Schubert, às mãos de uma maestrina. Não passam, portanto, despercebidas as rastas de um jovem que se sentou na plateia. Mas agora é hora do silêncio e de atenção para o palco.
É sempre curioso ver uma mulher a tomar o papel geralmente conduzido por um homem. O seu cabelo longo e brilhante dança com os seus passos largos e pequenos pulos enquanto coordena a orquestra. O entusiasmo transmite-se e o espectáculo não é apenas auditivo. Aquela elegância nas ordens ao grupo grande impõe respeito e admiração.
Saio satisfeita. Valeu bem a pena regressar ao clássico desta forma.

Vinte e Sete do Um do Onze

Mais uma noite fora e o prazer da companhia. O desafio tinha sido lançado há algum tempo e hoje decidimos aceitá-lo. O bar está cheio e formam-se as equipas de sempre, que esta procissão à quinta-feira já é frequentada por muitos repetentes. Chega a hora e surgem finalmente as primeiras perguntas. Bastou a primeira, para a a qual sabia bem a resposta, para me lançar no entusiasmo do jogo. Há perguntas que sei que, por mais que tente, não saberei responder, outras que são de caras, outras que deveria saber, mas que o cérebro se recusa a recordar e há aquelas que sabemos que, apesar de não ser imediata, poderemos chegar à resposta certa. É então que se fecham os olhos, se abstrai de tudo o resto e se concentra na pergunta. Eu sei isto. Eu tenho de me lembrar da resposta. Tapo os olhos para me concentrar melhor e não me movo. Concentro-me porque eu vou conseguir. Até que alguém me pergunta se está tudo bem. O meu método de concentração gera preocupação. Afinal, é só um jogo.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Vinte e Seis do Um do Onze

Era isto que me estava a faltar. Este chocolate quente a aquecer-me as mãos, sentada junto ao Camões, no centro de Lisboa, com o à vontade e a liberdade de que preciso. Não chove e o frio acorda-me. Matam-se saudades de uma amizade que importa e criam-se novos contactos. Precisava de uma noite destas. Esta é a Lisboa que me faz falta.

Abraçaram-se, meses depois do último encontro. Vejo-lhe o sorriso por que tanto lutei ao longo do dia. Mas aquele abraço trouxe-o, por fim. E vejo-o tão claramente surgir nos cantos dos seus lábios, aquela paz e segurança que tanto precisava neste dia longo. Não sou quem lhe deu o abraço, mas sou quem o sei reconhecer.

Vinte e Cinco do Um do Onze

Hoje já não quis voltar. São dias, parece-me. Hoje não quis regressar ao hospital de sempre nem cruzar-me com as caras do costume, hoje cansaram-me as memórias.
Assim como há quem corra o Louvre em filmes de culto para bater recordes de tempo, nós tentamos a mesma façanha, mas na urgência do hospital. Após a triagem, temos apenas cinco minutos para percorrer os longos corredores que separam a urgência geral da urgência da especialidade a que precisamos de chegar, em pólos opostos do edifício. Os seguranças carregam o sobrolho, mas é preciso acelerar o passo. Corre! Uma atrasa-se com um telefonema, a outra apressa-te até ao elevador, reencontrando-se ambas esbaforidas do quinto piso, mesmo a tempo. Já nos esperam, que os doutores também querem ir descansar e em menos de cinco minutos estamos despachadas. Porém, é preciso passar ainda pela secretaria de saída da Urgência. Coisa pouca, com certeza, é só preciso uma senha, não deverá ser difícil quebrar o recorde. Pura ilusão. Pois foi o tempo que mais custou a passar aquele em que se aguardou a resolução da papelada da fila demasiado longa. E é ali naquele cantinho, naquele pequeno espaço à saída da urgência, que a tosse dos muitos presentes mete mais medo que a doença que nos trouxe até ali.

Vinte e Quatro do Um do Onze

Ela já sabia o que poderia ter. São muitos suores e não consegue dormir há três dias e ela foi ver à internet. Fez até uma lista que trouxe para ler ao senhor doutor. Ora veja, insónia, sudorese, palpitações - ai o meu peito! -, olhos salientes - e abre muito os olhos para podermos confirmar - é tiróide! Mais do que todos os sintomas que descreve, o que maior evidência tem para nós é a energia e a conversa inesgotável. Relembra a menopausa, mas que não se assemelha ao que sente agora, e ainda ontem falou ao telefone com o meu filho, de quem tem tantas saudades, como nos diz no pequeno instante em que, repentinamente, se esconde atrás da mão para chorar meia lágrima, pois não há tempo a perder, a conversa ainda agora começou. Mede-se a pressão arterial e ali fica, com um braço despido e o peito descoberto, que refere orgulhosamente andar sem apoio, que é assim que agora sabe bem, enquanto mantém a verborreia incansável.
É preciso terminar a consulta e o médico levanta-se para dar o mote da despedida. Não importa. Sentada, ignora o gesto e mantém as queixas, as suas suspeitas, os seus queixumes e os seus elogios grandiosos ao médico, de que tanto gosta. Reafirma-se a despedida, desta vez verbalmente. Está na hora. Levanta-se por fim e prepara tudo para sair. Boa tarde, então, proteja-se do frio. Oh doutor! É por isso que trago esta camisola, é muito quente, por aqui não entra frio nenhum, é de.. ai.. como se chama.. caxemira, não é?

Vinte e Três do Um do Onze

É bom regressar aos bons tempos. Volto à escola onde aprendi a ler para, agora já maior, exercer o direito de voto. Desta vez não voltei à sala onde concorria com os meus colegas para ver quem terminava primeiro os testes, mas, de qualquer forma, é um sentimento muito reconfortante rever aquelas portas, aqueles corredores, as janelas e os quadros.
E, para completar o reconforto, encontro uma das professoras mais queridas da minha adolescência. Sorri com a mesma alegria que sinto em mim pelo reencontro e trocamos algumas palavras. Pergunta-me pelo curso, como tem de ser, mas pergunta mais. Como vai a escrita? Pergunta por mim, por quem sou, por quem tento ser. E eu agradeço a lembrança, agradeço o incentivo pelas palavras e a amizade que se mantém e se manterá. É bom ser recordada. É bom manter a casa de portas abertas.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Vinte e Dois do Um do Onze

Perco-me. Há tanto para ver, tanta coisa inútil e irrelevante com que o olhar se entretém e perde tempo, de tal forma que o tempo não se sente. Até que uma chamada de atenção fora desta irrealidade recupera a atenção, a consciência e a culpa pelo desperdício.
Esqueci-me e eu nunca me esqueço. Corri para o encontro, pedi imensas desculpas, mas não chega. Cá estou de novo. Repito a entrega à tentação, vezes e vezes seguidas, e não tardará até repetir o esquecimento. Há mais vida fora disto. A vida é fora disto. E algo me faz adormecer constantemente neste torpor.
E agora chega de lamentos. Do it yourself.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Vinte e Um do Um do Onze

Do lado de cá, o médico pai, no seu trabalho, recebe o telefonema de lá, da médica mãe, em casa com a criança. "Diz, fofinha." E a médica mãe lá conta que a criança acordou com umas manchas no corpo. Mas estes pais são diferentes, são médicos, e a linguagem, apesar do carinho humano de sempre, tem algumas particularidades. Pergunta-se inicialmente pela febre, pelo mal estar, até que se entra no outro universo de preocupações. "Mas tem alterações hematológicas?". E, para que não restem dúvidas, o médico pai pede para esclarecer melhor. "São máculas ou pápulas?" Porque o amor é humano, mas a bata não sai com facilidade do corpo.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vinte do Um do Onze

Há algo que tem de falar com o senhor doutor. O médico de antes já sabia e disse que ia ajudar, mas reformou-se e adoeceu e agora tem de falar disso. Disseram-lhe para falar com o senhor doutor, já que no Natal pensou em comprimidos e na vida que não tinha sentido. Porque, é assim, é uma mulher com muitos complexos, desde sempre. Porque aquilo que traz é só um soutien com almofadinha, sempre se sentiu diferente das outras meninas e, apesar do peito ter crescido quando deu à luz como a mãe lhe disse, voltou a diminuir e não se sente bem. Nunca tomou banho no mar, não quer tirar a t-shirt. E não deixa que lhe toquem. Nenhum homem. E eles fogem para outras e dizem-no na cara, para encontrar o que ela não lhes dá. E dói. E é isto, doutor. Precisa de ajuda.

Dezanove do Um do Onze

E a nostalgia aparentemente chegou. Julguei que demorasse algum tempo e quiçá, que nem sequer surgisse, mas a verdade é que entrar de novo no hospital e cruzar-me com outros estudantes que um dia já fui, fez-me desejar reconhecer alguma daquelas caras para lhes sorrir. Por enquanto, é apenas isto. Ainda não sinto a falta de aulas em bancos dolorosos, dos professores que não nos vêem nem dos exames injustos. Dizem-me que um dia sentirei essa falta. Um dia hei-de sorrir com nostalgia ao ver o imponente hospital onde passei tantas horas da minha juventude. Tenho algumas dúvidas. Mas gosto de surpresas.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Dezoito do Um do Onze

Acumula. Cada pequena frustração diária acumula e a motivação diminui proporcionalmente. Esgoto-me e não quero voltar a tentar. Fico. Acomodo-me. Como sempre. E por se manter o de sempre, a fé na mudança torna-se mais escassa. É preciso mover, é preciso tomar iniciativa. E digo-o, tanta vez e com palavras tão bem apresentadas, e falho no gesto. E repito-o, com palavras, para que seja consciente, mas a acção mantém-se. É preciso algo mais. As palavras também se esgotam.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Dezassete do Um do Onze

Não foi um episódio, nem sequer dois. Foi constante em qualquer consulta com os dois presentes, pais e filhos. Especificamente, mães e filhos adolescentes. A adolescência impõe a pose dominante, o desafio protegido pela defesa apertada e a relativa descontracção perante os problemas de saúde. A mãe é, obviamente, galinha e quer exames para os pintainhos, só para saber que está tudo bem. E a mãe galinha responde às questões que o médico coloca ao filho, e diz que ele nunca diz as coisas todas, que fuma e que não pára quieto e nem sabe como ainda não lhe deu qualquer coisinha. Ah, e come muitos doces! É então que vem, invariavelmente, o rebolar dos olhos que termina com o múrmurio "oh, mãe..." e o olhar discreto de quem pede desculpa pelo embaraço da ansiedade materna.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Doze do Um do Onze

Sempre receei perder o controlo da escrita. Gosto de me perder nela, de ficar horas de volta de um texto, de lhe mudar apenas uma palavra ao fim de meia hora, de escolher uma música para lhe servir de conforto e ouvi-la vezes e vezes sem conta até ficar satisfeita com o resultado final. E não sei mentir, escrevo o que sei, o que conheço, o que suponho. Preciso de vivê-lo para o escrever, mesmo que através de alguém que mo conte. Por vezes, outras realidades provocam-me a escrita. Desconheço os limites da escrita, não sei até onde posso afundar-me por um pedaço de texto. Não sei que palavras devo conter para deixar a escrita inócua. Porque quero comoção, mas não quero estranheza. Não quero ebriedade. Mesmo que seja o único refúgio onde permito a minha perdição.
Talvez me fique pelas pequenas coisas.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Nove do Um do Onze

Dias fechados. Os cumprimentos gripais obrigam a horas debaixo de um cobertor enorme. A testa aquece e os olhos descansam sobre o meu colo ainda são. Não me sei mover também quando fica assim. Adoeço também um pouco, à espera de um acordar melhor. Ajeito o cobertor, sinto-lhe a temperatura, trago o leite e as bolachas, deito-me a seu lado para aguardar um pouco mais perto os sinais de recuperação. Talvez a proximidade me traga também alguns sinais de doença. Não importa. Preciso de estar ali.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Quatro do Um do Onze

Hoje é só isto. Ela subiu as escadas a pé, com a sua barriga muito grávida e, ao chegar ao piso certo, da Ginecologia/Obstetrícia e Sala de Partos, pára antes de entrar, olha para cima e benze-se. Que corra tudo bem. Só então entra finalmente na ala que a levará, quem sabe, a um futuro diferente. E, hoje, basta isto.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Três do Um do Onze

Duas criancinhas abandonadas na ponta da mesa desenham sobre os papéis que lhes deram, a mesa do restaurante é sempre uma tentação. Desenham casas e pintam as letras brancas da publicidade à cerveja. Uma tem oito, outra tem seis e estão a conhecer-se.
A mesa ao lado não é indiferente à brincadeira. No final da refeição, dedicamo-nos, nós gente crescida, aos desenhos no papel da mesa. Relembramos os desenhos de antigamente, recriamos os bonecos da nova cortina de banho e desenhamos as casas que já não se encontram por aí, as dos telhados em triângulo e com uma chaminé com fumo branco. Quando terminamos a obra, rasga-se o papel, como há uns anos atrás, mas desta vez não é para levar para casa a grande obra prima. Mostramos às meninas que abrem os olhos muito espantadas, olham de volta para os pais e ficam de boca aberta com o gesto.
"Cá para mim não sabes o que está aí..." "Sei, sim! É um palhaço, um pato, um leão, uma girafa, uma casa e uma menina!" A mãe insiste para a mais nova dar algo em troca. Depois de algum amuo, aceita. Na sobra do papel, escreve o nome dos desenhos e o seu nome, Leonor, na letra bonita da primária. Estica de volta o papel, guardamos a sua retribuição. Ainda vamos a tempo de a ouvir dizer "Vou levar isto para casa!"

domingo, 2 de janeiro de 2011

Dois do Um do Onze

Esperei sessenta e nove horas para te ter ali comigo, de olhos pertos dos meus, trepando por cima do aro dos teus óculos, que insistem em magoar o meu nariz quando te procuro um beijo. Ali, a sós, entre as palavras que se contiveram durante essas sessenta e nove horas. Ali, onde ninguém vê o mimo que guardei para ti. Ali, finalmente, entre os compromissos, os sonhos e os elogios para o ano que começa. Ali, nas memórias dos dias bons e nas promessas dos dias melhores. Ali, contigo. Ali, connosco.
Agora sim, posso começar.

Dois Mil e Dez Dois Mil e Onze

É preciso um ritual de passagem para que consiga aprumar as ideias. Porque há algo muito cheio a terminar e um desafio tremendo à minha frente.
É preciso uma despedida à medida, com o elogio a cada vitória, demasiadas para serem sequer previstas no inicio deste ano que termina. É preciso honrar cada nova ligação e cada reconquista. É preciso ter noção de tudo isto e compreender o quanto temos em nós, o quanto é possível em apenas uma volta ao Sol. É preciso aceitar que somos capazes para que, agora, depois de arrumado o ano velho, se possa mudar a atenção e focar-nos, de peito cheio e sorriso subtil nos lábios, o ano que termina.
É incógnito e chama por nós. Tem trezentos e sessenta e cinco partes para nos surpreender e esta é a hora para nos prepararmos para tudo o que nos couber. Porque somos capazes, diz-nos o ano velho. E avançamos, com medo, mas com determinação, no ano novo. Porque é preciso. Vamos embora. É este o ano.