sábado, 31 de dezembro de 2011

Um para Doze

#1. Porto

E agora, descanso. Fuga. É preciso fazer algo que nos deixe feliz. Escolhi o Porto. Escolhi a tua companhia. 
Há uma sensação de controlo quando conduzo. Tomo a liberdade de decidir por onde ir, quando parto e quando chego. E, especialmente, onde paro. Há tempo para reencontrar caras amigas e ver mais caminho do que apenas a chegada.
E o Porto enche-me o coração. Desta vez estava mais claro e luminoso, com os seus jardins e o sotaque, os azulejos e o Douro, Gaia para olhar o Porto e a Pousada para apreciar a Foz,  as ruas de sempre onde as pernas se cansam ao subir e descer, sem nunca cansar a vontade. A cidade convida-me a ficar sempre mais. Quem sabe o futuro nos cruze por mais do que uns dias.
Respira-se fundo.

E agora, dois mil e doze.

Dois para Doze

#2. Exame

Acabou. 
Não estudei na véspera e fui ver Lisboa do topo, no jardim que me amou nestes longos meses. Almocei com o meu irmão, que fingia não estar tão ansioso como eu. Reencontrei colegas, sentei-me na cadeira para canhotos e sobrevivi às duas horas e quarenta e cinco minutos, estendidas pelo grau de dificuldade da prova. Saí, frustrada, mas saí. Paciência, está feito.
Já passou. O monstro indigesto caiu por fim das minhas costas. Agora importa recuperar a forma, a força, a alma. Fiz o meu melhor, não posso exigir mais. Há que andar para a frente, com o orgulho de ter conseguido. 
Sobrevivi.

Três para Doze

#3. Torres

A exaustão permanecia e o desespero ameaçava deitar tudo a perder. Se não fosse o refúgio, não teria conseguido.
O estudo ganhou novo fôlego por lá. Os livros mantêm-se, mas o lugar muda e tudo parece estar a começar. Há uma nova frescura, uma novidade que engana o espírito cansado e redobra a resistência.
Levanto a cabeça para abrir a visão. O campo longo, o silêncio na rua solitária e a ruiva que observa a janela elegantemente sentada sobre o banco. O incenso e as refeições coloridas. O baloiço, a criança e o sofá ao final da noite. E uma gratidão imensa por quem aqui me recebe e me salva.

Quatro para Doze

#4. Iulia

Planeara aquela semana para as férias que precisaria. E precisei mesmo, que o corpo arrastava-se há demasiado tempo pelas exigências do trabalho intelectual. Estava exausta quando ela chegou.
Quis dar-lhe tudo, mostrar-lhe cada pedaço escondido deste oeste europeu, contar-lhe tudo o que sei, para que absorvesse Portugal e regressasse com a noção acertada do que somos. Exigiu-me fado, vinho e golfinhos. Dei-lhe Bairro Alto, Clérigos e Arrábida. Houve peixe grelhado, pastéis de Belém e caldo verde. Sobreviveu à sopa da Pedra e à francesinha e surpreendeu-se com o cheiro a eucalipto. E tudo isto acompanhado de bons amigos que recebem sempre com um sorriso honesto.
Dois anos depois, reencontrámo-nos. Dois anos depois, mantemo-nos fiéis à amizade forte que construímos. O abraço comprova-o. 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Cinco para Doze

#5. A Feira

No isolamento exigido, há algo que me anima. Na cidade que me viu crescer, a feira de Verão repete-se impreterivelmente nas três semanas mais animadas da estação. Com ela sei que traz as farturas e os churros, o Dragão com as suas duas únicas curvas apertadas, o camião-restaurante, a peixeirada e as ordinarices nas bancas dos brindes, as caras conhecidas e os concertos que satisfazem o requinte musical da juventude alternativa.
E este ano trouxe-me caras amigas. Recebi, com o suposto intuito de mostrar a minha feira (como carinhosamente a nomeio), gente para um abraço, para um jantar por lá, para uma voltinha nas diversões, para uns concertos em conjunto. E, afinal de contas, para que serve uma feira senão para nos tirar da solidão e isolamento dos dias quentes? 

Seis para Doze

#6. O Fim

E foi exactamente dia Um do mês Sete que saí perto da hora de almoço do serviço onde terminava o último estágio do ano, do curso. E foi já depois da passadeira fora do hospital, no passeio a caminho do transporte que me leva dali, que uma das trezentas colegas que me acompanharam ao longo do curso, dos anos, me disse "Parabéns". Devolvi-lhe as congratulações, afinal de contas era um dia especial para todos nós. E segui pelo passeio, com orgulho, satisfação e uma alegria especial por ter concluído este longo desafio.
Conversei muito nessa altura com a menina que era aos dezassete, quando entrei na instituição. Contei-lhe tudo o que iria acontecer nos seus próximos seis anos, o bom e o mau. Mas especialmente o bom. Contei-lhe com um sorriso, com a calma que aos dezassete precisava que me tivessem falado. Pesavam-me seis anos dolorosos às costas. E agora, bem mais leve, regressei aos dezassete para recordar à menina que era que, sim, é capaz.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sete para Doze

#7. Arraial

Foram precisos muitos passos. Dei-os com calma, com receio, mas muita vontade. E naquele dia compreendi, uma vez mais, o quão valioso é aqui estar.
Foi dia de festa. Foi planeado a pensar em nós, para que nos sentíssemos confortáveis, bem recebidos e livres para desfrutar da noite. Mas, mais importante que isso, foi o facto de não ser uma festa só para nós. Foi sim para todos, de portas abertas, ou melhor, sem portas, para que todos se juntassem e celebrassem o poder de uma noite quente junto ao rio. 
E assim foi. Sorri muito e dancei o quanto pude. Conheci gente relevante, matei saudades de caras amigas. E deixei para trás um incomodo e uma vergonha que pesam e me ocultavam noites felizes como esta.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Oito para Doze

#8. A Fuga

Para além de todo o drama expectável do Onze, surgiu um sério agravante. Sério, dos que te bofeteiam e te bloqueiam o andamento compassado. O Onze ficará marcado, certamente, por ele. Mas esta contagem é para os bons e não para os maus.
O bom foi o que o tentou aliviar. O coração pesava para todos e tínhamos direito a uma noite fora. Alargámos o convite a quem precisava dele e fugimos daqui. Refugiámo-nos num sítio novo, silencioso, onde nos conseguimos concentrar no trabalho e descansar nos tempos devidos. Vimos o mar, comemos bem, respirámos fundo. E é tão importante parar para respirar fundo.

Nove para Doze

#9. Passeio

Foi, possivelmente, o primeiro momento de pausa. Só no último instante decidi não ir para a farra académica anual, onde nunca participara, e ficar antes contigo, num programa a duas, mais adequado ao nosso paladar.
Em vez do Sul, escolhemos marchar para Norte. De farnel aviado, metemo-nos à estrada com vários destinos há muito esperados. Uma pausa nas praias de Peniche, um piquenique na inigualável vila de Óbidos, um passeio pelas loiças das Caldas da Rainha. Portugal bonito.
Ainda ontem revi as nossas fotografias desse dia. Tenho recordado muitas fotografias dos últimos tempos, mas em poucas encontro o meu sorriso honesto. Vi-o aqui. Junto a ti, com o oceano ao fundo e o guarda-sol ao perto. Foi, sem dúvida, um dos melhores dias de férias do Onze.

Dez para Doze

#10. Medicina

Foi preciso chegar ao fim para compreender o que é a Medicina. Começo a trabalhar apenas agora, a entender o que me é exigido e por quem, começo finalmente a conhecer as caras de quem pede ajuda e a ouvir os seus dramas. É preciso chegar ao fim para ver as pessoas que comportam as patologias que estudei exaustivamente.
E foi essencialmente naquele consultório de médico de família que mais aprendi sobre essas pessoas. Porque não são apenas as dores, são também as exigências do novo patrão que as intensificam com a sua colocação num cargo diferente. Porque a crise justifica o roubo ao pezinho-de-meia de quem já tem tão pouco com que contar. É aqui que entram as mães com os adolescentes insubordinados, os casais grávidos e os com bodas de ouro, os ricos e os pobres, os sãos e os debilitados. A vida é aqui revelada. E é assim que a Medicina faz muito mais sentido.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Onze para Doze

#11. Londres

É uma paixão platónica desde tenra idade. Sempre soube que era minha, mesmo sem compreender totalmente porquê. E quando fico muito tempo sem a ver, a minha racionalidade questiona as razões do meu encanto.
Mas acabei por regressar no Onze. Regressei num contexto novo, numa idade mais desperta, numa liberdade de descoberta diferente. Desta vez, houve tempo para a viver. E perdi-me novamente de amores. A cidade não se esgota. Por muito que me expanda para abraçar tudo o que possa absorver, não chego. É enorme, é tanto. E é este meu amor justificado.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Doze para Doze

#12. A Tese

Não sei qual foi a primeira vitória do Onze. Foi um ano aborrecido, entediante. Foi um ano que precisava de passar e passou, lidei com todas as datas, todos os prazos e exigências. Talvez por o prever assim, um ano de tempo para cumprir, me esqueça com facilidade das conquistas e das alegrias.
Mas é aquele momento que me surge primeiro, quando passo o Onze em revista. Aquele acordar determinado, a vontade de ali estar, de saber ser o lugar certo, o conforto no sonho futuro. Demorou demasiado tempo entre a última vez que senti a confiança nas palavras e aquele dia em que soube exactamente o que estava ali a fazer. Depois de tanto tempo, fazia finalmente sentido.
Defendi-a com a naturalidade de quem a criou com carinho, dedicação e muito amor. Amor, sim. Daquele que não se aborrece com birras, com o cansaço dos dias, com os atrasos e os nós que custam desatar. O amor que, venha o que vier, está lá sempre. Porque sou daqui.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Um do Dez do Onze

Pela quinta vez no aeroporto, estou finalmente aqui para o que andei a desejar sempre que cá estive. Espero-te.
O nervosismo ao longo do dia, por te saber no alto dos céus, já não me permitiu concentrar-me em algo mais para além da tua chegada. A ansiedade cresce e procuro comportar-me, sem grande entusiasmo para não me denunciar, junto de quem mais te estima. O avião vem com atraso, procuramos entreter-nos com o pastel de nata e a conversa simples, mas os corações estão longe. A mãe pulula entre o painel que a avisou que falta pouco para te ver e o lugar onde te esperamos vislumbrar logo que cruzes a porta.
Finalmente estás em terra, diz-nos o painel. E a mãe sorri de alívio por, enfim, tudo ter corrido bem. Em silêncio, fixamo-nos na porta por onde surgirás. Por cada pessoa que surge, descontraidamente, o coração cresce mais um pouco. A ansiedade sobe, por cada nova cara que ainda não é a tua. Os minutos passam e começamos a acreditar que todo o teu avião já se esvaziou à nossa frente, só faltas tu. E cada novo minuto recorda que não é bem assim.
Vejo finalmente o teu grupo. Vejo-os a todos e tu escondes-te atrás das suas malas e costas largas. Quero ver-te primeiro. Estico todo o corpo para que te encontre mais rapidamente e, por fim, surges. O coração, esse, descansa, por fim.

Trinta do Nove do Onze

E de repente estou de volta ao liceu. A juventude dos vestidos pretos, aplicações vermelhas e ténis tradicionalmente alternativos povoam a sala, assim como os meninos de cabelo armado, olhar pensativo e sonhos ainda por restringir. Para minha surpresa, a diretora da escola surge à porta. Regressa o sentimento de respeito, ligeiro temor e alguma revolta com a presença da senhora. A adolescência tem destas coisas, a autoridade tem de ser contestada. E é bom recordar, é bom regressar a estas pessoas, de quem não reconheço a cara mas reconheço o contexto. Juntas assistimos aos sonhos de outros como nós e provamos que vimos de um sitio bom. A diretora, afinal, sempre fez um bom trabalho.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Vinte e Nove do Nove do Onze

Não compreendo bem o que se passou. Quero-te de volta, preciso de ti e de te saber comigo. Tento aguentar-me, como se fosse sólida e determinada, mas és o meu pilar. É por isso que planeio o teu regresso com pedaços de intimidade e mimo, para recuperarmos este tempo em que os pequenos telefonemas nos têm de bastar.
Mas há contrariedades. Há uma realidade à qual não nos podemos esconder. As celebrações serão controladas e a efusividade abrandará. O baque desta circunstância abalou-me, colocara a minha força nesses momentos por vir. Mas é preciso manter-me de pé, relembrar que o que importa é a tua presença. Vou procurar-te no teu olhar, aí teremos o nosso mimo.